Capítulo 08 - Onde estão as malditas escoteiras quando precisamos delas?

25-02-2012 18:25

Hanna afundou mais e mais nas almofadas macias de seu sofá e tentou desabotoar os jeans Paper Denim de Sean.

— Opa — disse Sean. — Nós não podemos...

Hanna sorriu de forma misteriosa e levou um dos dedos aos lábios. Começou a beijar o pescoço de Sean. Cheirava a Lever 2000, um sabonete de bebê e, por incrível que pareça, a chocolate; e ela adorava como seu novo corte de cabelo rente destacava os ângulos sexy do rosto dele. Ela o amava desde o sexto ano, e ele só tinha ficado mais bonito com o passar do tempo.

Enquanto eles se beijavam, a mãe de Hanna, Ashley, destrancou a porta da frente e entrou, falando em seu celular LG flip.

Sean recuou contra as almofadas do sofá.

— Ela vai nos ver! — sussurrou ele, vestindo bem rápido sua camiseta polo azul-clara da Lacoste.

Hanna deu de ombros. Sem expressão alguma, sua mãe acenou para eles e foi para outra sala. Ela dava mais atenção ao seu BlackBerry que a Hanna. Por causa de sua escala de trabalho, ela e Hanna não tinham muitas chances de ficarem juntas, a não ser em espaçadas checagens nos deveres de casa, bilhetes sobre quais lojas tinham as melhores liquidações e notinhas para lembrá-la de que deveria arrumar seu quarto, para o caso de algum dos executivos que vinham ao coquetel na casa delas precisassem usar o banheiro de cima. Mas para Hanna estava tudo bem. Afinal de contas, o emprego de sua mãe pagava a conta do AmEx dela — não era sempre que ela pegava as coisas sem pagar — e a anuidade de Rosewood Day.

— Preciso ir — murmurou Sean.

— Você deveria voltar no sábado — ronronou Hanna. —Minha mãe vai passar o dia no spa.

—Vou ver você sexta, na festa do Noel. E você sabe que isso já é bastante difícil.

Hanna gemeu.

— Não tem que ser tão complicado — choramingou.

Ele se inclinou para beijá-la.

—Vejo você amanhã.

Depois que Sean saiu, ela enfiou o rosto em uma almofada do sofá. Namorar Sean ainda parecia um sonho. No passado, quando Hanna era gordinha e feia, ela admirava seu porte alto e atlético, a maneira como era legal com os professores e os garotos menos populares que ele, como se vestia bem, não como um maldito daltônico. Ela nunca deixara de gostar dele, mesmo depois que perdera seus últimos quilinhos teimosos e descobrira os produtos de alisamento de cabelo. Assim, no ano anterior na escola, ela casualmente sussurrou para James Freed, na sala de estudos, que gostava de Sean, e Colleen Rink lhe disse, três períodos depois, que Sean ligaria para o celular dela naquela noite, depois do futebol. Esse era mais um momento que Hanna lamentava que Ali não estivesse por perto para testemunhar.

Eles já eram um casal há sete meses, e Hanna sentia-se mais apaixonada que nunca. Ela não havia contado a ele ainda — guardara aquilo para si mesma por anos — mas naquele momento, tinha certeza que ele a amava também. E o sexo não era a melhor forma de demonstrar amor?

Era por isso que o pacto de virgindade dele não fazia sentido. Não que os pais de Sean fossem muito religiosos e, além disso, aquilo ia contra todas as noções pré-concebidas de Hanna sobre os garotos. Apesar de sua aparência de anos atrás não ser aquela, Hanna tinha que reconhecer que agora, com seu cabelo castanho, seu corpo curvilíneo e sua pele perfeita — estamos falando sobre não ter nenhuma espinha, nunca — ela era muito gata. Quem não se apaixonaria loucamente por ela? Algumas vezes ela se perguntava se Sean era gay — ele tinha um monte de roupas legais — ou se tinha medo de vagina.

Hanna chamou seu pinscher miniatura, Dot, para subir no sofá com ela.

—Você sentiu minha falta hoje? — guinchou ela, enquanto Dot lambia sua mão. Hanna fizera um abaixo-assinado para que Dot pudesse ir à escola com ela dentro de uma bolsa Prada — afinal de contas, todas as meninas em Beverly Hills faziam isso — mas a coordenação da Rosewood Day não achou uma boa ideia. Então, para evitar a ansiedade da separação, Hanna comprara para Dot a caminha Gucci mais fofinha que o dinheiro poderia pagar e deixava a televisão do quarto dela ligada o dia todo no canal de compras QVC.

A mãe dela entrou repentinamente na sala, ainda usando seu terninho de tweed feito a mão e seus sapatos marrons de salto baixo.

— Tem sushi — informou a sra. Marin.

Hanna ergueu a cabeça.

— Negi de atum?

— Não sei. Eu comprei um monte de coisas.

Hanna foi para a cozinha, onde a mãe estava ocupada no laptop e falava ao celular.

— O que foi agora? — rosnou a sra. Marin ao telefone.

As unhas de Dot faziam um barulhinho atrás de Hanna. Depois de verificar o que havia na sacola, ela escolheu um pedaço de sashimi de enguia, um sushi de enguia e uma tigela pe-quena de sopa de missô.

— Bem, eu conversei com o cliente esta manhã — sua mãe continuou a conversa. — Naquela hora, eles estavam felizes.

Hanna mergulhou seu sushi de enguia com delicadeza no molho de soja e folheou um catálogo da J. Crew, sem prestar muita atenção. Sua mãe era a segunda na cadeia de comando em uma agência de publicidade na Filadélfia chamada McManus&Tate, e seu objetivo era se tornar a primeira mulher a ser presidente da empresa.

Além de ser extremamente bem-sucedida e ambiciosa, a sra. Marin era o que a maioria dos garotos em Rosewood Day chamaria de coroa boazuda — ela tinha cabelos vermelho-dourados compridos, pele macia e um corpo incrivelmente flexível, graças a sua yoga Vinyasa diária.

Hanna sabia que sua mãe não era perfeita, mas ainda não conseguia entender por que seus pais haviam se divorciado, quatro anos antes; ou por que seu pai, logo em seguida, começara a namorar uma enfermeira do pronto-socorro, uma mulher bem comum, de Annapolis, Maryland, chamada Isabel. Aquilo era uma queda de qualidade.

Isabel tinha uma filha adolescente, Kate, e o sr. Marin havia dito que ela iria simplesmente amar a garota. Poucos meses depois do divórcio, ele convidara Hanna para ir a Annapolis, para passar o final de semana. Nervosa por conhecer sua quase meia-irmâ, Hanna implorou a Ali que fosse junto.

— Não se preocupe, Han —Ali a acalmara. — Nós vamos superar essa tal de Kate, seja ela como for.

E quando Hanna a olhou, cheia de dúvida, ela repetiu sua frase preferida:

— Eu sou Ali e sou fabulosa! — isso parecia meio tolo agora, mas na época Hanna imaginou como seria ser tão confiante. Ter Ali com ela a confortava, provava que ela não era a fracassada da qual seu pai queria se afastar.

O dia, porém, havia sido o maior desastre. Kate era a menina mais bonita que Hanna já vira, e o pai praticamente a chamara de porca gorda bem na frente dela. Ele voltou atrás e disse que era só uma brincadeira, mas aquela foi a última vez que ela o viu... e a primeira vez que se obrigou a vomitar.

Mas Hanna odiava pensar sobre as coisas do passado, então, raramente o fazia. Além disso, Hanna agora andava encarando os caras que saíam com sua mãe de um modo que não significava exatamente "Você quer ser meu novo papai?". E será que seu pai a deixaria ir dormir às duas da manhã e beber vinho, como sua mãe fazia? Provavelmente não.

Sua mãe desligou o telefone e dirigiu os olhos verde-esmeralda para Hanna.

— Esses são seus sapatos de volta às aulas?

Hanna parou de mastigar.

— São.

A sra. Marin concordou com a cabeça.

—Você recebeu vários elogios?

Hanna virou o tornozelo para olhar para seus sapatos púrpura. Com medo dos seguranças da Saks, ela havia pagado por eles.

— Sim, recebi.

—Você se importa de me emprestar?

— Claro que não. Se você qui...

O telefone da mãe tocou de novo. Ela atendeu rapidamente.

— Carson? Sim. Eu estive procurando por você a noite toda... Que diabos está acontecendo lá?

Hanna soprou a franja para o lado e deu um pedacinho de sushi de enguia para Dot. Enquanto Dot cuspia a comida no chão da cozinha, a campainha tocou.

A mãe nem se mexeu.

— Eles precisam disso esta noite — ela disse ao telefone. — O projeto é seu. Será que tenho que ir até aí e fazer tudo eu mesma?

A campainha tocou de novo. Dot começou a latir e a mãe se levantou para atender.

— Provavelmente são as escoteiras, de novo.

As escoteiras tinham vindo até a casa delas uns três dias atrás, em fila, tentando vender biscoitos na hora do jantar. Elas eram odiadas na vizinhança.

Em poucos segundos, ela estava de volta à cozinha, acompanhada de um policial de olhos verdes e cabelos castanhos.

— Este cavalheiro quer conversar com você.

No bottom dourado, no bolso do uniforme dele, podia-se ler WILDEN.

— Comigo? — Hanna apontou para si mesma.

—Você é Hanna Marin? — perguntou Wilden. O walkie-talkie em seu cinto fez um barulho.

E, de repente, Hanna lembrou quem esse cara era: Darren Wilden. Ele era algumas turmas mais adiantado que ela, em Rosewood, quando ela estava no sétimo ano. O Darren Wilden do qual ela se lembrava alegava ter dormido com todas as garotas da equipe de mergulho e quase havia sido expulso da escola por roubar a motocicleta vintage Ducati do diretor. Mas aquele policial era, definitivamente, o mesmo cara — aqueles olhos verdes eram difíceis de esquecer, mesmo depois de quatro anos sem os ver. Hanna torceu para que ele fosse um stripper, mandado de brincadeira por Mona.

— O que o traz aqui? — perguntou a sra. Marin, dando uma olhada ansiosa para seu celular. — Por que você está interrompendo nosso jantar?

— Recebemos um telefonema da Tiffany's — informou Wilden. — Eles têm imagens suas da câmera de segurança, roubando alguns itens da loja. Imagens de várias câmeras seguiram você andando pelo shopping e indo até o seu carro. Nós investigamos a placa.

Hanna começou a cutucar as palmas de suas mãos com as unhas, uma coisa que ela fazia quando se sentia fora de controle.

— Hanna não faria isso — rosnou a sra. Marin. — Faria, Hanna?

Hanna abriu a boca para responder, mas as palavras não saíam. Seu coração batia descontrolado contra as costelas.

— Olha... —Wilden cruzou os braços. Hanna viu a arma em seu cinto. Parecia um brinquedo.— Eu só preciso que vocês venham até a delegacia. Talvez não seja nada.

— Claro que não é nada! — declarou a sra. Marin. Depois ela pegou sua carteira Fendi de dentro de uma bolsa da mesma

marca.

— Quanto vai custar para você nos deixar jantar em paz?

— Minha senhora —Wilden parecia irritado —, vocês devem vir comigo, certo? Não vai levar a noite toda. Prometo. — Ele deu aquele sorriso sexy, que provavelmente fora o que evitara sua expulsão de Rosewood Day.

— Bem — disse a mãe de Hanna. Ela e Wilden se olharam por um longo tempo. — Deixe-me pegar minha bolsa.

Wilden virou-se para Hanna.

— Eu vou ter que algemar você.

— Me algemar?

Tudo bem, aquilo foi idiota. Soou falso, algo que os gêmeos de seis anos da casa ao lado diriam um para o outro. Mas Wilden pegou algemas de verdade e, com delicadeza, prendeu-as em volta dos pulsos dela. Hanna torceu para que ele não tivesse notado que suas mãos tremiam.

Se pelo menos naquele momento Wilden a amarasse numa cadeira, começasse a tocar Hot Stuff, aquela música dos anos 1970, e tirasse toda a roupa... mas, infelizmente, não foi o que aconteceu.

A delegacia de polícia cheirava a café queimado e madeira muito velha porque, como quase todos os prédios municipais de Rosewood, era uma antiga mansão de um dos barões da ferrovia. Policiais circulavam em torno dela, atendendo telefones, preenchendo formulários e deslizando em suas cadeiras com rodinhas. Hanna meio que esperava ver Mona ali também, com o cachecol Dior da mãe nos braços. Mas pelo banco vazio da delegacia, dava para saber que ela não havia sido pega.

A sra. Marin sentou-se muito tensa ao lado da filha. Hanna estava com muita vergonha; sua mãe era geralmente muito tranquila, mas Hanna nunca havia sido presa, nem fichada ou nada parecido.

Depois, sua mãe se inclinou e perguntou baixinho:

— O que foi que você pegou?

— O quê?

— Foi esse bracelete que você está usando?

Hanna olhou para baixo. Perfeito. Ela se esquecera de tirá-lo; o bracelete envolvia seu pulso, e estava bem visível. Ela o escondeu embaixo da manga rapidamente. Sentiu os brincos em suas orelhas. Ela os estava usando hoje também. Isso sim era ser estúpida!

— Dê para mim — sussurrou a mãe.

— Hum? — grunhiu Hanna.

A sra. Marin estendeu a mão.

— Dê aqui. Eu posso resolver isso.

Relutante, Hanna deixou sua mãe tirar o bracelete de seu pulso. Depois, Hanna tirou os brincos das orelhas e os entregou também. A sra. Marin sequer hesitou. Ela simplesmente colocou as joias na bolsa e pousou as mãos sobre o fecho de metal.

A vendedora loura da Tiffany's, que a ajudara com o lindo bracelete, entrou de repente na sala. Assim que viu Hanna, desanimada no banco, ainda algemada, confirmou:

— Sim. É ela mesma.

Darren Wilden deu uma olhada para Hanna, e a mãe dela se levantou.

— Creio que houve um engano. — Ela foi até a escrivaninha de Wilden. — Não entendi direito o que você disse lá em casa. Eu estava com a Hanna durante todo aquele dia. Nós compramos aquelas coisas. Eu tenho o recibo lá em casa.

A garota da Tiffany's franziu a testa, sem acreditar.

— Você está dizendo que eu estou mentindo?

— Não — disse a sra. Marin, com delicadeza. — Eu só acho que você está confusa.

O que ela estava fazendo? Uma sensação estranha, desconfortável, quase de culpa, tomou conta de Hanna.

— E como a senhora explica as imagens das câmeras de segurança? — perguntou Wilden.

A mãe dela fez uma pausa. Hanna viu um pequeno músculo em. seu pescoço tremer. E depois, antes que Hanna pudesse detê-la, ela abriu a bolsa, pegou as joias e as mostrou.

— Isso tudo é minha culpa — declarou —, não de Hanna. Eu disse que ela não poderia comprar essas coisas. Eu a levei a isso. Ela nunca mais vai fazer nada parecido. Vou tomar providências.

Hanna olhava, impressionada. Ela e a mãe nunca haviam discutido sobre coisa alguma da Tiffany's, especialmente o que ela poderia ou não ter.

Wilden balançou a cabeça.

— Senhora, creio que sua filha vá precisar fazer algum serviço comunitário. A pena costuma ser essa.

A sra. Marin piscou de forma inocente.

— Nós não podemos deixar passar desta vez? Por favor?

Wilden olhou para ela por alguns instantes, um dos cantos da boca virado para cima, quase com maldade.

— Sente-se — ele disse, por fim. — Deixe-me ver o que posso fazer.

Hanna olhava para todos os lugares, menos na direção da mãe. Wilden estava inclinado sobre sua mesa, que ostentava uma miniatura de Wiggum, o chefe de polícia dos Simpsons e uma mola de metal. Ele lambia a ponta do dedo para virar as páginas dos documentos que estava preenchendo. Hanna ficou com medo. Que tipo de papéis eram aqueles? Será que os jornais da região noticiavam crimes? Isso era ruim. Muito ruim.

Hanna mexia o pé com nervosismo, e teve uma súbita necessidade de comer alguns Junior Mints. Ou talvez cajus. Até mesmo os Slim Jims na mesa de Wilden serviam.

Ela já podia até ver: todo mundo iria descobrir e, no mesmo momento, perderia os amigos e o namorado. Daí, voltaria a ser a Hanna esquisita do sétimo ano, seria um retrocesso. Ela iria acordar e seu cabelo estaria marrom desbotado e nojento de novo. Seus dentes voltariam a ficar tortos e ela teria de colocar aparelho outra vez. Não iria mais caber em seus jeans. E o resto seria consequência disso. Ela passaria a vida gorducha, feia, miserável e desleixada, como já fora um dia.

— Eu tenho um creme, se as algemas estiverem machucando seus pulsos. — A sra. Marin apontou para as algemas, e depois procurou algo em sua bolsa.

— Eu estou bem — respondeu Hanna, de volta ao presente.

Suspirando, ela pegou seu BlackBerry. Foi difícil, porque estava algemada, mas queria convencer Sean a vir à casa dela no sábado. Naquele momento, precisava mesmo saber que ele iria. Enquanto fitava a tela sem expressão, um e-mail chegou. Ela o abriu.

Ei, Hanna,

Como a comida da cadeia engorda, você sabe o que o

Sean vai dizer para você? Ele vai dizer "isso não"! — A

Ela ficou tão surpresa que se levantou, pensando que alguém pudesse estar do outro lado da sala, espiando. Fechou os olhos, tentando pensar em quem poderia ter visto o carro da polícia em sua casa.

Wilden parou de escrever.

— Está tudo bem?

— Ah... — disse Hanna. — Sim.

Ela se sentou devagar. Isso não? Que diabos era aquilo? Ela verificou o endereço do remetente de novo, mas era só um emaranhado de números e letras.

— Hanna — murmurou a sra. Marin, depois de algum tempo —, ninguém precisa saber disso.

Hanna piscou.

— Ah, sim. Eu concordo.

— Bom.

Hanna engoliu em seco. Acontece que... alguém já sabia.