Capítulo 12 - Humm, adoro esse cheiro de "Eu fui bem no teste"
Tudo bem, Spencer tinha que se acalmar.
Quarta-feira à noite, ela embicou seu Mercedes hatch Classe C — o carro dispensado por sua irmã depois que ela ganhara o novo, um Mercedes utilitário SUV — na entrada circular de sua casa. Seu encontro com o conselho estudantil acabou muito tarde e ela ficara muito aflita por ter que dirigir pelas ruas escuras de Rosewood. Durante todo o dia, sentira como se esti-vesse sendo observada por alguém — como se quem quer que tivesse escrito aquele e-mail sobre a inveja que tinha da irmã pudesse pular em cima dela a qualquer minuto.
Spencer continuou inquieta, pensando sobre o rabo de cavalo familiar que vira na janela do antigo quarto de Alison. Seus pensamentos continuavam voltando para Ali — e todas as coisas que ela sabia sobre Spencer. Mas não, isso era loucura. Alison havia ido embora — provavelmente estava morta — há três anos. Além disso, uma nova família vivia naquela casa agora, certo?
Spencer foi até a caixa de correio e pegou uma pilha de correspondência, eliminando tudo que não era para ela. De repente, ela o viu. Um envelope grande, não muito grosso, não muito fino, com o nome de Spencer claramente digitado na frente. O endereço do remetente dizia Diretoria da Faculdade. Era a hora da verdade.
Spencer rasgou o envelope e passou os olhos pela página. Ela leu seus resultados seis vezes antes de a ficha cair.
Ela havia feito 2350 pontos numa prova que valia 2400.
— Beleza! — gritou, apertando tanto os papéis que eles rasgaram.
— Opa! Alguém está feliz! — disse uma voz na rua.
Spencer olhou para ver quem era. Da janela do motorista de um Mini Cooper preto, Andrew Campbell estava acenando — um garoto alto e sardento, de cabelo comprido, que vencera Spencer na eleição para representante de classe. Eles eram sempre o primeiro e o segundo colocados em quase todos os testes. Mas antes que Spencer pudesse esnobá-lo — contar a ele sua nota nos primeiros testes para a universidade seria delicioso — ele foi embora. Spencer virou-se para entrar em casa.
Enquanto entrava toda feliz, algo a fez parar: ela se lembrou do resultado quase perfeito de sua irmã na mesma prova e, rapidamente, fez as contas para comparar seu desempenho com o dela, convertendo o resultado da irmã — que pelo critérios da época valia 1600 pontos, mas que alguns anos depois passaram a valer 2400. E essa prova também não era bem difícil atual-mente?
Bem, quem era o gênio agora?
Uma hora depois, Spencer estava sentada à mesa da cozinha, lendo Middlemarch — um livro da lista de "leituras sugeridas" da aula de inglês — quando começou a espirrar.
— Melissa e Wren estão aqui — disse a sra. Hastings a Spencer, entrando agitada na cozinha, com o resto da correspondência que Spencer largara para trás nas mãos. —Trouxeram toda a bagagem deles para se mudarem! — Ela abriu o forno para dar uma espiada no frango e nos pãezinhos de sete grãos, e depois foi correndo até a sala.
Spencer espirrou de novo. Uma nuvem de Chanel N°5 sempre precedia a entrada da mãe — mesmo depois de ela ter passado o dia todo com os cavalos — e Spencer tinha certeza de que era alérgica. Ela pensou em contar sobre seus resultados nos primeiros exames para a universidade, mas uma voz inesperada, vinda do vestíbulo a impediu.
— Mamãe? — chamou Melissa. Ela e Wren entraram na cozinha. Spencer fingiu estar prestando atenção na contracapa chatíssima do Middlemarch.
— Oi —Wren a cumprimentou, de cima.
— Oi — ela respondeu tranquilamente.
— Tá lendo o quê?
Spencer hesitou. Era melhor afastar-se de Wren, especialmente agora que ele estava se mudando para lá.
Melissa passou correndo, sem dizer oi, e começou a tirar almofadas de uma sacola da Pottery Barn.
— Essas aqui são para o sofá do celeiro — ela quase gritava.
Spencer travou. Duas pessoas poderiam jogar aquele jogo.
— Ah, Melissa! — gritou Spencer. — Esqueci de contar! Adivinha quem eu encontrei!
Melissa continuou a mexer nas almofadas.
— Quem?
— Ian Thomas! Agora ele é o treinador do meu time de hóquei!
Melissa congelou.
— Ele... o quê? Ele é o treinador? Ele está aqui? Ele perguntou por mim?
Spencer deu de ombros e fingiu pensar a respeito.
— Não, eu acho que não.
— Quem é Ian Thomas? — perguntou Wren, inclinando-se sobre o balcão de mármore.
— Ninguém — Melissa cortou, voltando sua atenção para as almofadas. Spencer fechou o livro e fez uma retirada estratégica para a sala de jantar. Isso. Agora ela se sentia melhor.
Ela se sentou à mesa comprida, estilo "móvel de fazenda", correu os dedos em volta da taça baixa que Candace, a empregada, tinha acabado de encher de vinho tinto. Seus pais não se importavam se os filhos bebessem quando estavam em casa, desde que não fossem dirigir. Por isso, ela pegou a taça com as duas mãos e deu um grande gole, feliz da vida. Quando deu por si, Wren estava do outro lado da mesa, sentado muito empertigado na cadeira, lançando um sorriso malicioso para ela.
— Oi — disse. Ela ergueu as sobrancelhas em resposta.
Melissa e a sra. Hastings se sentaram, e o pai de Spencer, depois de ajustar as luzes, também se acomodou. Por um instante, todos ficaram quietos. Spencer sentiu os papéis dos exames preliminares da universidade em seu bolso.
— Bom, adivinhem o que aconteceu hoje... — ela começou a dizer.
— Wren e eu estamos tão felizes que vocês vão nos deixar ficar aqui! — Melissa disse ao mesmo tempo, segurando a mão de Wren.
O sr. Hastings sorriu para Melissa.
— Eu sempre fico feliz quando a família está toda reunida.
Spencer mordeu o lábio, o estômago se embrulhando de raiva.
— Então, papai, eu recebi o...
—Ah, não... — interrompeu Melissa, olhando para os pratos que Candace acabara de trazer da cozinha. —Você tem alguma coisa além de galinha? Wren está tentando não comer carne.
— Está tudo bem — disse Wren, rapidamente. — Frango assado está ótimo para mim.
—Ah! —A sra. Hastings começou a se levantar. —Você não come carne? Eu não sabia! Acho que temos salada de macarrão na geladeira, se bem que talvez tenha presunto nela...
— Olha, é sério, tudo bem. —Wren coçou a cabeça, envergonhado, fazendo com que seu cabelo preto bagunçado ficasse em pé.
— Ah, eu me sinto tão mal! — disse a sra. Hastings. Spencer revirou os olhos. Quando a família estava reunida, sua mãe queria que todas as refeições, até o cereal do café da manhã mais bobo do mundo, fossem perfeitas.
O sr. Hastings olhou para Wren, cheio de suspeitas.
— Pois eu sou da turma do bife.
— Claro! —Wren ergueu sua taça de um jeito tão forçado que uma gota de vinho saltou de dentro dela e aterrissou na toalha da mesa.
Spencer estava pensando em continuar seu maravilhoso comunicado, quando seu pai baixou o garfo.
—Tive uma ideia brilhante. Já que estamos todos aqui, por que não jogamos Estrela do Dia?
— Ah, papai! — Melissa riu. — Não.
O pai sorriu.
— Ah, sim. Eu tive um dia tremendo no trabalho hoje. Aposto que eu posso te dar uma surra.
— O que é Estrela do Dia? — perguntou Wren, com as sobrancelhas arqueadas.
O pânico tomou conta de Spencer. Estrela do Dia era um jogo que os pais tinham inventado quando Spencer e Melissa eram pequenas e que ela sempre suspeitara que eles haviam roubado esse negócio de algum livro de autoajuda. Era bem simples: cada jogador contava aos outros qual fora o maior acontecimento de seu dia e a família votaria na melhor história. Na teoria, o jogo deveria fazer com que os membros da família sentissem orgulho uns dos outros e se sentissem valorizados, mas na família Hastings, as pessoas só se tornavam bru-talmente competitivas.
Mas se havia um momento perfeito para Spencer anunciar seus resultados nos exames, era aquele.
—Você vai entender como é,Wren — disse sr. Hastings. — Eu vou começar. Hoje, preparei uma defesa tão convincente para o meu cliente que ele se ofereceu para pagar mais que o combinado.
— Impressionante. — A mãe deu uma mordidinha numa beterraba. — Agora eu. Essa manhã eu venci Eloise no tênis, em sets seguidos.
— A Eloise é durona! — comemorou o pai, antes de dar outro gole em seu vinho. Spencer deu uma olhada em Wren, do outro lado da mesa. Ele estava cuidadosamente tirando a pele de sua coxa de frango então ela não pôde ver seus olhos.
A mãe limpou a boca com o guardanapo.
— Melissa?
Melissa encarou os dedos com unhas lascadas.
— Bem, hummm... eu ajudei os pedreiros a cobrir o banheiro. O único jeito para que ficasse perfeito seria fazer eu mesma.
— Bom para você, querida! — disse seu pai.
Spencer balançava as pernas, com nervosismo.
O sr. Hastings acabou de beber seu vinho.
—Wren?
Wren levantou os olhos, prestando atenção.
—Sim?
— É sua vez.
Wren encheu sua taça de vinho.
— Eu não sei o que deveria contar...
— Estamos jogando Estrela do Dia — cantarolou sr. Hastings, como se Estrela do Dia fosse um jogo tão conhecido quanto palavras cruzadas. — Diga-nos, doutor, que coisa maravilhosa o senhor fez hoje?
— Ah. — Wren piscou. — Bem. Ah... nada, mesmo. Foi meu dia de folga na faculdade e no hospital, então, eu fui ao bar com alguns dos amigos do hospital e vi o jogo do Phillies.
Silêncio. Melissa lançou um olhar de desapontamento para Wren.
— Eu achei incrível — disse Spencer. — Pela maneira com que eles têm jogado, é uma façanha ver jogos dos Phillies todos os dias.
— Eu sei, eles são uma bela de uma porcaria, não são? — Wren sorriu para ela, agradecido.
— Bem, de qualquer forma — a mãe interrompeu —, quando começam suas aulas, Melissa?
— Espera aí um pouquinho. — Spencer falou com voz esganiçada. Eles não iam esquecê-la. — Eu tenho alguma coisa para o Estrela do Dia.
O garfo de salada da mãe parou no ar.
— Desculpe.
— Opa! — o pai concordou, achando graça. —Vá em frente, Spencer.
— Recebi os resultados dos primeiros exames para a universidade — disse — e, bem... estão aqui. — Ela pegou os resultados e mostrou para o pai.
Assim que ele os pegou, sabia o que iria acontecer. Eles não iriam dar a mínima. O que os testes para a universidade importavam, de qualquer maneira? Eles iam voltar sua atenção de novo para o Beaujolais e para Melissa e Wharton, e fim de papo. Ela sentiu o rosto queimar. Por que sequer se importara em mostrar?
Seu pai baixou a taça de vinho e estudou o papel.
— Uau. — Ele cutucou a sra. Hastings. Quando ela viu o papel, engasgou.
— Essa é uma das notas mais altas, não é? — perguntou a sra. Hastings.
Melissa esticou o pescoço para olhar também. Spencer mal podia respirar. Melissa olhou para ela através do arranjo central de lilases e peônias. Foi um olhar que fez Spencer pensar que talvez Melissa tivesse escrito aquele e-mail apavorante ontem. Mas quando seus olhos se encontraram, Melissa sorriu.
—Você estudou de verdade, não foi?
— É um bom resultado? — perguntou Wren, dando uma olhada para o papel.
— É um resultado fantástico! — o sr. Hastings falou mais alto.
— É maravilhoso! — a sra. Hastings gritou. — Como você quer comemorar, Spencer? Jantar na cidade? Você tem alguma coisa em mente?
— Quando eu recebi meus resultados do exame vocês compraram para mim aquela primeira edição do Fitzgerald em um leilão público, lembram? — Melissa sorriu.
— Foi isso mesmo! — o sr. Hastings concordou.
Melissa se voltou para Wren.
—Você teria adorado. Dar lances é incrível.
— Bem, por que você não dá uma pensada — o sr. Hastings sugeriu a Spencer. — Tente pensar em algo memorável, como o que demos a Melissa.
Spencer levantou devagar.
— Na verdade, eu tenho uma coisa em mente.
— O que é? — O pai se inclinou em sua direção.
Lá vamos nós, pensou Spencer.
— Bem, o que eu adoraria mesmo, mesmo, mesmo, neste momento, e não daqui a alguns meses, seria me mudar para o celeiro.
— Mas... — Melissa começou e depois se interrompeu.
Wren limpou a garganta. O pai franziu a testa. O estômago de Spencer fez um barulho alto de fome. Ela o cobriu com a mão.
— É isso que você quer, de verdade? — a mãe dela perguntou.
— Hã-rã. — Spencer respondeu.
— Tudo bem. — A sra. Hastings olhou para o marido. —Bem...
Melissa quase jogou o garfo sobre o prato.
— Mas, hum, e quanto a Wren e eu?
— Bem, você mesma disse que a reforma não ia demorar muito.—A sra. Hastings colocou a mão no queixo dela.—Vocês, garotos, podem ficar em nosso antigo quarto, eu acho.
— Mas lá tem duas camas de solteiro. — Melissa disse numa voz estranhamente infantil.
— Eu não ligo — declarou Wren, depressa. Melissa lançou um olhar cheio de raiva para ele.
— Nós podemos colocar a cama tamanho queen que está no celeiro no quarto de Melissa e colocar a cama de Spencer no celeiro. — O sr. Hastings sugeriu.
Spencer não conseguia acreditar no que ouvia.
—Vocês vão mesmo fazer isso?
O sr. Hastings ergueu as sobrancelhas.
— Melissa, você vai sobreviver, não vai?
Melissa tirou o cabelo da frente do rosto.
—Acho que sim — disse ela. — Quero dizer, eu, pessoalmente, acho que um leilão de primeiras edições é muito melhor, mas essa é apenas a minha opinião.
Wren deu um gole em seu vinho discretamente. Quando Spencer encontrou seus olhos, ele piscou.
O sr. Hastings se virou para Spencer:
— Então está feito.
Spencer deu um pulo e abraçou os pais.
— Obrigada, obrigada, obrigada!
Sua mãe riu, feliz.
—Você deveria se mudar amanhã.
— Spencer, você é a Estrela de hoje. — Seu pai ergueu o papel com os resultados, agora meio respingado de vinho tinto. — Deveríamos mandar emoldurar isso, como uma recordação!
Spencer sorriu. Ela não precisava emoldurar nada. Enquanto vivesse, se lembraria desse dia.