Capítulo 16 - Nunca confie em um convite sem remetente

26-02-2012 09:39

 

— Então você vem hoje à noite? — Hanna trocou seu BlackBerry de orelha e esperou pela resposta de Sean.

Era quinta-feira depois da escola. Ela e Mona tinham acabado de tomar um cappuccino no campus, mas Mona teve que ir embora logo para treinar para o torneio de golfe de mães e filhas no qual elas iam competir aquele final de semana. Agora, Hanna estava sentada na varanda da frente de sua casa, falando com Sean e vendo os gêmeos de seis anos do vizinho desenhando com giz, na calçada, garotos pelados que surpreendiam pela correta anatomia.

— Não posso — respondeu Sean. — Eu realmente sinto muito.

— Mas quinta é noite de Nerve, você sabe disso!

Hanna e Sean eram viciados em um reality show chamado Nerve, que mostrava as vidas de quatro casais que se conheciam só pela internet. O episódio dessa noite era importante porque o casal favorito deles, Nate e Fiona, estava quase chegando lá. Hanna pensou que isso, no mínimo, seria um bom começo para conversar a respeito.

— Eu... eu tenho uma reunião hoje à noite.

— Uma reunião de que?

—Hum... do Clube V.

O queixo de Hanna caiu. Clube V? Tipo... Clube da Virgindade?

—Você não pode faltar?

Ele ficou mudo por um minuto.

— Não posso.

— Bom, pelo menos você vai à festa do Noel amanhã?

Outra pausa.

— Não sei.

— Sean! Você tem que ir! — guinchou ela.

— Tudo bem — ele concordou. — Acho que Noel vai ficar chateado se eu não for.

— Eu vou ficar chateada também — completou Hanna.

— Eu sei. Vejo você amanhã.

— Sean, espera... — pediu Hanna. Mas ele já tinha desligado.

Hanna destrancou a porta da casa. Sean tinha que ir à festa do dia seguinte. Ela tinha bolado um plano romântico e infalível: ela o levaria até o bosque da casa de Noel, eles declarariam seu amor um pelo outro e depois transariam. O Clube V não podia ter nada contra sexo com amor, podia? Além disso, o bosque dos Kahn era lendário. Eram conhecidos como O Bosque da Virilidade porque muitos meninos tinham perdido a virgindade ali. A lenda dizia que as árvores sussurravam os segredos do sexo para os novos recrutas.

Ela parou na frente do espelho e levantou a camisa para ver os músculos trabalhados de seu abdome. Ela virou de lado para avaliar seu bumbum pequeno e arredondado. Depois, se aproximou do espelho para examinar a pele. A vermelhidão do dia anterior havia desaparecido. Ela verificou os dentes. Um dos da frente parecia estar encavalado com um canino. Será que ele sempre fora assim?

Ela jogou sua bolsa dourada de couro na mesa da cozinha e abriu o freezer. Sua mãe não comprara sorvete da Ben & Jerry's, então os sanduíches de sorvete Tofutti Cutie com cinquenta por cento a menos de açúcar iam ter que servir. Ela pegou três e começou a abrir o primeiro, cheia de gula. Quando deu uma mordida, sentiu-se compelida a comer mais, como sempre.

— Ei, Hanna, coma outro profiterole. — Ali havia sussurrado para ela enquanto visitam o pai de Hanna em Annapolis. Então Ali se virou para Kate, a filha da namorada do pai de Hanna e disse: — Hanna tem tanta sorte! Ela pode comer o que quiser e não engorda nem um grama!

Aquilo não era verdade, lógico. Por isso foi uma frase tão cruel. Hanna já era gordinha e parecia estar aumentando de peso. Kate riu e Ali, que deveria estar do lado de Hanna, riu também.

—Tenho uma coisa para você.

Hanna pulou. Sua mãe estava sentada à mesinha de telefone, vestindo um top rosa-pink da Champion e calças pretas de ioga.

— Ah — disse Hanna em voz baixa.

A sra. Marin deu uma boa olhada em Hanna e nos sanduíches de sorvete em volta dela.

—Você precisa mesmo de três?

Hanna baixou os olhos. Ela havia devorado o primeiro sem nem sentir o gosto e já estava desembrulhando o próximo.

Ela esboçou um sorriso para a mãe e enfiou os Cuties que sobraram no freezer de novo. Quando ela se virou, a mãe colocou uma sacolinha azul da Tiffany's em cima da mesa. Hanna olhou para ela inquisitivamente. O que é isso?

—Abra.

Dentro havia uma caixinha azul, e no interior dela estava o conjunto completo — a pulseira com pingentes, os brincos redondos e ainda, o colar. Exatamente os mesmo que ela tivera que devolver para a mulher da Tiffany's na delegacia. Hanna os ergueu, fazendo com que brilhassem sob a luz.

—Uau!

A sra. Marin deu de ombros.

— De nada.

Depois, para indicar que a conversa havia acabado, ela se retirou para seu canto, desenrolou seu colchonete roxo e voltou ao seu DVD de Power Yoga.

Lentamente, Hanna guardou os brincos de volta na sacola, confusa. Sua mãe era muito estranha. Foi quando ela reparou em um envelope quadrado cor de creme na mesinha de telefone. O nome e o endereço de Hanna estavam escritos nele. Ela sorriu. Um convite para uma festa bem legal era tudo de que ela precisava para se animar.

Inspire pelo nariz, expire pela boca era o que o tranquilo instrutor de ioga dizia na televisão do escritório. A sra. Marin permaneceu com seus braços placidamente largados ao longo do corpo. Ela não se mexeu nem quando seu BlackBerry começou a tocar "Flight of the Bumblebee", que significava que recebera um e-mail. Aquele era um tempo só dela.

Hanna pegou o envelope e subiu as escadas para seu quarto. Sentou em sua cama de dossel, sentiu a maciez de seus lençóis de um bilhão de fios e sorriu ao ver Dot dormindo bem calminho em sua caminha de cachorro.

—Vem cá, Dot — sussurrou. Ele se espreguiçou e subiu no colo dela. Hanna suspirou. Talvez ela só estivesse nervosa ou com TPM e esses sentimentos de desconforto e de ninguém-me-ama-ninguém-me-quer fossem desaparecer em poucos dias.

Ela rasgou o envelope com a unha e franziu a testa.

Não era um convite, e o bilhete não fazia muito sentido.

Hanna,

Nem mesmo papai ama você mais que tudo! — A

 

O que isso queria dizer? Mas quando ela desdobrou o outro papel que estava dentro do envelope, deu um grito.

Era uma impressão colorida do jornal interno de uma escola particular. Hanna olhou paras as pessoas conhecidas na foto. A legenda dizia: Kate Randall foi a oradora da Barnbury School no evento de caridade. Fotografada aqui com sua mãe, Isabel Randall e com o noivo de sua mãe, Tom Marin.

Hanna piscou várias vezes. O pai dela continuava o mesmo desde a última vez em que o vira. E apesar do seu coração ter parado quando ela leu a palavra noivo — quando foi que aquilo aconteceu? —, foi a imagem de Kate que a deixou ansiosa. Kate parecia ainda mais perfeita. Sua pele brilhava e seu cabelo estava irretocável. Seus braços estavam graciosamente colocados em volta de sua mãe e do sr. Marin.

Hanna jamais esqueceria o momento em que viu Kate pela primeira vez. Ali e Hanna tinham acabado de descer do trem em Annapolis, e primeiro Hanna viu apenas o pai encostado em seu carro. Mas a porta do carro se abriu e Kate pôde ser vista. Seu cabelo comprido, cor de avelã, era liso e brilhante, e ela se movia como alguém que tivera aulas de balé desde os dois anos. O primeiro instinto de Hanna foi se esconder atrás de uma pilastra. Ela olhou para seu jeans justo, sua malha de cashmere e tentou não hiperventilar. Foi por isso que papai foi embora, pensou. Ele queria uma filha que não o matasse de vergonha.

—Ah, meu Deus — sussurrou Hanna, procurando o endereço do remetente no envelope. Nada. E então algo lhe ocorreu. A única pessoa que realmente sabia sobre Kate era Alison. Seus olhos procuraram o A do bilhete.

O sanduíche de sorvete da Tofutti Cutie dançou em seus estômago. Ela correu para o banheiro e pegou a escova de dentes extra no copo em cima da pia. Depois, se ajoelhou ao lado da privada e esperou. Havia lágrimas em seus olhos. Não comece com isso de novo, disse ela a si mesma, segurando a escova com força. Você é melhor que isso.

Hanna se levantou e se olhou no espelho. Seu rosto estava vermelho, o cabelo estava grudado em volta do rosto e os olhos, vermelhos e inchados. Devagar, ela colocou a escova de dentes de volta no copo.

— Eu sou Hanna e eu sou fabulosa — disse ela para o reflexo no espelho.

Mas aquilo não soou convincente. Nem um pouco.